Onde acaba toda uma vida de Filantropia, para começar um ciclo interminável de opiniões Misantrópicas
sábado, 5 de outubro de 2013
Crónicas de um "parasita"
É um dia como qualquer outro, o sol nasce, a mãe que trabalhou uma noite inteira abre a porta do quarto do seu jovem filho de 11 anos, preparou-lhe o pequeno almoço, organizou-lhe a mochila, preparou o lanche para levar, e ainda escolheu a roupa para o dia.. Tudo corre como normal, tudo é simples, basta seguir a rotina, um beijo na mãe e um no pai, e segue-se mais um dia como qualquer outro, vai para a paragem de autocarro, e la se encontra com o seu melhor amigo, ambos nascidos e criados na mesma sociedade, mas tão diferentes um do outro, com realidades domésticas completamente diferentes, mas ambos com pais trabalhadores.. Uma criança inocente, com sonhos como qualquer um da sua idade, sonhos de ser um dia um actor de cinema, ou mesmo um cantor.. Passa-se um dia escolar, um jovem que não simpatiza muito com o sistema de ensino, mas que faz o esforço, porque sabe que alguém sofreu para que ele cumpra os estudos, para que a vida lhe seja menos dificil do que foi aos seus progenitores..
Tudo isto muda, e muda de tal maneira que ninguém esperava, muda de uma maneira tão repentina, que destrói toda a "fácil" rotina levada por esse jovem até esse dia. Chega a casa nessa noite, após todo o dia de escola, tudo está como em qualquer outro dia, janta com os pais, algo está errado, sem conseguir decifrar o que se passa, algo no ambiente não está como de costume, há uma tensão inexplicável no ar. Chega a hora de ir dormir, como em qualquer dia, a mãe vai dar um beijo de boa noite, mas neste dia, também o pai decide passar por lá, aquela figura paternal, pela qual ele tem o maior dos respeitos, meia duzia de palavras acerca de como ele quer que o filho se torne um homem de respeito, e que a vida é feita de óbstaculos, coisas que ele ouve com atenção, pois quem o diz é o seu ídolo, foi feito á sua imagem..
Um dia novo surge, algo está errado, a sua mãe não cumpriu a rotina, não o acordou, por algum motivo decidiu que não valia a pena despertar o seu filho nesse dia, algo está de errado, algo que ele continua sem conseguir perceber, até que ele finalmente dá pela falta de algo importante, algo tão indispensável quanto o ar que ele respira, o seu pai, a pessoa em que ele se quer tornar um dia, "onde está ele?", pergunta, sem obter qualquer resposta, ninguém tem as respostas para lhe dar, até que ele percebe sozinho, o seu pai abandonou-o, como a maior parte dos pais desses bairros sociais, viram as costas aos seus filhos, porque têm uma má relação com as suas mães, não pensam no impacto que esse abandono irá ter na vida daquele que eles trouxeram a este mundo.
Os dias passam, e ele não quer aceitar, e como é suposto aceitar? É apenas uma criança, precisa do seu pai, alguém que lhe diga o que fazer, já que a sua mãe passa os dias a chorar, e sem se conseguir controlar.. Com o passar das semanas vê a sua mãe cometer todas as más escolhas possiveis, ela agora usa o alcóol como uma ajuda para a fazer esquecer, perde o seu emprego por não se conseguir concentrar, e acabou de entrar num caminho que é muito traiçoeiro, assim que se entra, é dificil encontrar o caminho de volta, a sua mãe está agora dependente de drogas, já pouco liga ao próprio filho, e ele agora já com 12 anos de idade, depende de si mesmo para tratar de si, e precisa rapidamente de encontrar uma maneira de ajudar a mãe.. Ele continua a encontrar conforto na companhia do seu amigo, mas sem nunca ter a coragem de desabafar com ele, contar tudo o que se passa na sua cabeça.
Eis que um certo dia tudo isto vai mudar, e é aqui que ele renasce, para uma nova vida, uma vida de incertezas...
Eles já tinham reparado nele mais do que uma vez, é um rapaz cujo pai abandonou da noite para o dia, a mãe meteu-se por caminhos incertos, ele precisa de encontrar uma maneira de sobreviver, é o alvo perfeito, eles dão-lhe a mão, "apenas" o querem ajudar, prometem-lhe que ele vai mudar a vida da sua mãe, vai poder dar-lhe tudo o que ela precisa, com pouco esforço, apenas tem de fazer uns quantos "recados". Ele não é parvo, e sabe que o caminho que está prestes a percorrer é demasiado obscuro, e que a partir do momento em que aceita a "ajuda" dessas pessoas, a sua vida muda por completo, deixa de ser uma criança, e passa a ser um parasita da sociedade, olhado de lado por todos, temido por todo o cidadão comum, rejeitado, sozinho, abandonado, mais um adoptado pelas ruas, vai seguir uma vida de tráfico de drogas, armas, e mesmo pessoas, uma vida de criminalidade, uma vida de perigo iminente, a morte vai bater á porta todos os dias, a partir do momento em que ele embarcar nesse estilo de vida.
Ele decide que terá de o fazer, mas apenas uma ou duas vezes, o suficiente para tirar a sua mãe do fundo do poço, para que possam começar de novo. Leva agora duas vidas distintas, durante o dia é o mesmo de sempre, vai para a escola com o seu amigo, falam, e brincam, e riem. Mas de noite é o fantoche dos grandes, os tubarões das ruas são agora os seus "donos", e ele faz o que lhe mandam, sem deixar que a sua consciência se meta entre ele e as suas missões, o tempo passa e aquilo tudo se torna algo natural para ele, já não se sente mal pelas maldades que pratica. E a cada noite que passa, as suas funções tornam-se cada vez mais sérias, e ele começa a perceber que o caminho que seguiu não tem retorno, já foi apanhado pela onda, e a partir daí apenas vai avançar cada vez mais, até chegar ao ponto em que nao vai dar mais, e aí ninguem sabe o que sucede.
Já não se sente confortável ao pé do seu melhor amigo, tem medo do que ele possa vir a pensar se descobrir, tem medo de o arrastar para esta má vida, ele apenas quer o bem para o seu amigo, mesmo sabendo que um dia vão seguir caminhos completamente diferentes, ele vai ficar preso nas ruas, e tem medo que também o seu amigo um dia o olhe de lado, com desprezo por aquilo em que ele se tornou.. É triste, em cada três jovens no bairro, um ou dois vão ser "caçados" pelas ruas, é certo, e muito triste mesmo.
Os anos vão passando, e é inevitável, ele agora é um jogador, deixou de ser apenas um peão das ruas, e também ele agora é dono e senhor do seu próprio território, nunca esqueceu aqueles que lhe deram a mão quando ele mais precisou. Ele agora tem tudo, tem todo o dinheiro que precisa para a sua mãe e para si, a sua mentalidade mudou, ele agora percebe do negócio, sabe jogar o monopólio das ruas com precaução, sabe quando arriscar e quando ficar de fora.. Já recrutou uns quantos pobres coitados, tal como fizeram com ele, no final de contas, não passam de soldados.. Ele comercializa todas as drogas, mas tem noção dos males que o consumo implica, então mantém-se limpo, e certifica-se que a mãe dele e todos os que ele gosta se mantêm longe dessas substâncias.
As ruas tornam-se implacáveis, e a partir do momento em que ele tira a vida á sua primeira vitima, sente que a pouca humanidade que tinha dentro de si desapareceu, agora não passa de um corpo vazio, sem alma, a deambular pelo mundo, um invisivel, a sociedade sente as acções dele, mas ninguém sabe quem ele é, é um fantasma, nunca existiu, e nunca vai existir.
O inevitável acontece, como todos os filhos da rua, ele um dia dá um passo em falso, e atravessa-se no caminho das pessoas erradas, algum tubarão das ruas que é maior, e mais influente que ele, e como decide ser como o seu amigo de infância, não recua, e luta até ao fim, longe do poder dele, acaba por ser mais um corpo na noite, mais uma alma sem nome, que fica perdida na memória do bairro.. Nada muda, outro soldado ocupa o seu lugar, e tudo continua a funcionar nos eixos, o mundo da droga é uma máquina bem oleada, e bem gerida, nunca pára, tem muita procura, e muita saída, é dinheiro garantido, que está sempre lá para alguém pegar..
Este jovem foi levado pelas ruas, nos seus ultimos instantes pensa em todas as pessoas que desiludiu, pensa na sua mãe, que agora sofre com a sua morte, pensa no seu amigo, pensa que ele nunca irá saber do que lhe aconteceu, e que mesmo que saiba, não lhe causará qualquer impacto, pois pensa mal, porque os amigos não esquecem, e o seu amigo sempre soube as razões pelas quais ele tomou más decisões, e sempre rezou por ele, sempre desejou que nada de mal caísse sobre ele, e sofre todos os dias com as lembranças, sofre por pensar que parte da culpa é sua, teve oportunidade de o encaminhar, e deixou que as ruas o apanhassem primeiro, e culpa acima de tudo, o seu pai, o pai que o abandonou causou a sua morte, pois se não o tivesse abandonado, ele teria estudado, mantinha-se fora de problemas, iria tornar-se um cidadão respeitável, uma mais valia para a sociedade, mas tudo correu mal, e agora restam apenas lembranças e lágrimas.
Dá que pensar.. Vocês que vivem no conforto das vossas casas de sonho, e que nunca viram a realidade, apenas sabem do que viram nos filmes. Não desprezem tanto aquele que vive das ruas, pois vocês não sabem da história que pode estar por detrás dessa pessoa, e esquecem-se de algo muito relevante, o negócio começa longe das ruas, onde apenas estão os peões, e os soldados, porque quem manda nas ruas são pessoas com quem vocês convivem no dia a dia, pessoas que se integram na perfeição nessa vossa sociedade, os mesmos que na tv vocês vêm a beijar crianças, e a inaugurar hospitais, são eles quem comanda os negócios mais obscuros, todo o sangue derramado está nas mãos deles, não passam de assassinos cobardes, pegam nas pessoas mais debilitadas e fazem delas suas, e deixam-nos viver uma vida de cão e morrer sem qualquer dignidade. Não percebo como essas pessoas conseguem dormir à noite!
Reflitam sobre esta pequena história.. Qualquer semelhança com algum caso real será coincidência pois é uma história baseada em factos reais mas não em nenhum caso especifico!
Boa noite
Jp
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